Cozinhado às pressas pelo cozinheiro-chefe, finalmente o prato principal ficou pronto para ser servido ao distinto público do restaurante. O novo dono do estabelecimento pouco pôde opinar, pois passou a maior parte do tempo numa cama de hospital, recuperando- -se de uma cirurgia. Isso fazia pouca diferença, pois nada entendia da arte de economia culinária. Para falar a verdade, não entendia de coisa nenhuma, pois havia passado os últimos 27 anos como parlamentar em Brasília, onde, sabidamente, as pessoas que lá vivem se isolam do mundo real.
O nome do prato se chamaria "nova Previdência" - uma estratégia de marketing do cozinheiro para disfarçar que o prato a ser servido se não era requentado, pouco se diferenciava da receita divulgada pelo dono anterior do restaurante. Este, que não chegou a coloca- -la em prática porque o restaurante se encontrava às moscas, não via a hora da passar o ponto. O novo proprietário notou, porém, que o cheiro que vinha da cozinha não era muito agradável. Mas, preocupado com o caixa do restaurante, estava mais interessado em faturar do que se intrometer em seara alheia. Só fazia questão de uma coisa: a sobremesa deveria ser de laranjas!
O novo proprietário não precisava entender de economia para saber que a prioridade era cortar despesas com pessoal para sobrar dinheiro para pagar os juros dos bancos. Aliás, foi esse o motivo que o levou a escolher um banqueiro como cozinheiro- -chefe: sinalizar ao mercado financeiro quem seria beneficiado na sua gestão. Por via das dúvidas, era sempre bom ficar do lado dos ricos. Os pobres apenas são úteis na época das eleições. Essa foi uma das poucas coisas de útil que aprendera como parlamentar.
Assim, o patrão, que não suportava nem ouvir falar de economia, terceirizou o setor. Tudo que se referisse a esse assunto deveria ser direcionado para o seu "posto Ipiranga". Homem dos números, o cozinheiro-chefe logo tratou de fazer o que mais gostava, ou seja, contas. Depois de fazer cálculos científicos complicados, chegou a conclusão que a culpa da falência do dono anterior do restaurante só poderia ser dos trabalhadores que estavam trabalhando pouco. A solução lhe parecia óbvia: os trabalhadores deveriam trabalhar mais. Para trabalhar mais, deveriam se aposentar mais tarde.
Reunido com os auxiliares de cozinha, o cozinheiro- -chefe bateu o martelo (expressão que herdou dos seus tempos de Bolsa de Valores). O prato principal teria dois ingredientes principais: aumento da idade mínima de aposentadoria e do tempo de contribuição. Para economizar ainda mais, alteraria a forma de cálculo de contribuição para diminuir o valor das aposentadorias. Os trabalhadores do campo, que forneciam alimentos para o restaurante, também seriam atingidos.
Apesar de estar certo de que com as novas medidas o restaurante voltaria a dar lucro, o novo dono não sabia explicar porque, como parlamentar, sempre fora contra a reforma da Previdência. Preocupado com o que os seus pares iriam pensar sobre isso resolveu preservá-los, deixando os militares e os parlamentares de fora. Pouco importa o juízo que os outros façam dele, desde que esteja bem com os seus. Afinal, não era à toa que o seu lema era família acima de todos e Deus acima de tudo!